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Bolsonarismo e Fascismo: paralelos históricos

 
Frederico Costa[1]

Diferentemente do que pensam os irracionalistas pós-modernos, é possível conhecer a lógica dos processos históricos. Primeiro, porque a história é um produto da atividade dos seres humanos, que para satisfazer suas necessidades precisam constantemente transformar o mundo, ao mesmo tempo, transformando-se e se autocriando. Segundo, porque desde que surgiram as classes sociais o motor da história é a contradição entre elas, isto é, a luta de classes. Terceiro, porque é possível extrair do encadeamento da diversidade dos fenômenos históricos determinados padrões e tendências em torno dos quais gravitam singularidades que não se repetem.

Nesse sentido, pode-se compreender, numa primeira aproximação, o bolsonarismo como um movimento reacionário de massas. Sob o seu manto estão católicos tradicionalistas e conservadores, protestantes pentecostais e históricos, monarquistas, integralistas, neonazistas, militares, agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e Polícia Federal (PF), membros das forças de segurança pública estaduais, artistas, milícias, políticos e diversos setores da burguesia. A ideologia bolsonarista não é coerente e sistematizada, mas gira em torno de ideias-forças como mercado, liberdade, autoridade, racismo, xenofobia, machismo, desigualdade natural e um profundo anticomunismo. Na verdade, o cerne do bolsonarismo é uma reação às conquistas progressistas da humanidade e das classes trabalhadoras como o sufrágio universal, a soberania popular e os direitos sociais.

O sufrágio universal (masculino) e direto foi sancionado pela Constituição de 24 de junho de 1793, como resultado do processo de radicalização da Revolução Francesa. Infelizmente, as turbulências da situação interna e externa, além dos avanços e recuos do processo revolucionário francês e europeu, dificultaram a efetivação desse método democrático. No entanto, essa primeira contestação radical das estruturas de poder aristocráticas, passando por cima do direito divino e da discriminação política das grandes massas, assustou as classes dominantes.

Por isso, ideólogos da burguesia liberal como Benjamin Constant (1767-1830), Alexis de Tocqueville (1805-1859) e Jonh Stuart Mill (1806-1873) apresentaram formas para restringir o sufrágio universal e a radicalização da soberania popular. O intento era limitar os direitos políticos para impedir que a população trabalhadora impusesse, no seu interesse, medidas sociais e econômicas. Daí propostas de voto censitário, eleições indiretas e exclusão de analfabetos, mulheres, pobres, pessoas de origem colonial, negros e não-proprietários do direito ao sufrágio universal. Tais mecanismos visavam neutralizar politicamente as massas populares, restringindo a luta pela redistribuição de renda e propriedade propiciada pela ampliação dos direitos democráticos para as grandes maiorias.

Com o avanço do movimento operário e a criação de partidos socialistas no século XIX as tensões aumentaram e uniram-se burguesia e latifundiários, liberais e conservadores, contra proletários e camponeses. Mas, foi em 1917, na chamada Revolução de Outubro, quando operários e camponeses, homens e mulheres trabalhadores tomaram o poder na Rússia sob a direção do Partido Comunista, que qualquer luta por liberdade e direito social foi denominada de “comunismo”.

É no período entre guerras (1918-1939) que surge a força política reacionária que ajuda a compreender o bolsonarismo atual: o fascismo. Nascido na Itália em 1919 teve seu ápice na Alemanha nazista, mas deitou raízes em vários países da Europa, da América e chegou até à Ásia. No Brasil, apresentou-se como Ação Integralista Brasileira (AIB), tendo como líder o escritor Plínio Salgado (1895-1975). Entre suas grandes lideranças estavam Gustavo Barroso (1888-1959), simpatizante do racismo nazista, e Miguel Reale (1910-2006), pai do jurista Miguel Reale Júnior, que em 2015, junto aos juristas Hélio Bicudo e Janaína Paschoal, protocolou na Câmara dos Deputados um pedido de abertura de processo de impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, que levou ao golpe de Estado de 2016.

A experiência italiana e alemã indicaram um padrão clássico desse movimento:

1) o ascenso do fascismo expressou uma profunda crise social do capitalismo, cuja função histórica foi alterar pela violência as condições de reprodução do capital a favor dos grupos monopolistas;

2) o aprofundamento da crise social desestruturou o regime democrático-burguês, mais vantajoso para o domínio capitalista, porém a burguesia, com o acirramento da luta de classes, tendeu a instaurar formas mais centralizadas do Poder Executivo do Estado;

3) como existia uma imensa desproporção entre a burguesia e as classes populares (assalariados, camponeses), um Estado policial puro, em plena crise, teria dificuldades de atomizar e desmoralizar milhões de trabalhadores e suas organizações (sindicatos, partidos, cooperativas), o que levou a grande burguesia a buscar apoio num movimento de massas reacionário (fascismo/nazismo);

4) um amplo movimento de massas reacionário (fascistas, nazistas) foi construído com base na mobilização da pequena burguesia enraivecida pelas consequências da crise capitalista, com um conjunto de preconceitos e rancor psicológico para motivar o ataque às conquistas do movimento operário e democrático;

5) para o movimento fascista triunfar na Itália e na Alemanha foi preciso esmagar o movimento operário e democrático das massas populares, institucionalizando a guerra civil;

6) o fascismo/nazismo vitorioso, cumpriu sua missão para com o capital financeiro que pode implementar altas taxas de exploração do trabalho, simultaneamente o movimento reacionário de massas se burocratizou, enquanto as ditaduras fascista e nazista esmagavam sua própria base de massas, perseguindo e eliminando os descontentes.
Guardadas as devidas proporções de tempo e espaço, além de particularidades próprias do Brasil, é possível identificar que o movimento de extrema direita bolsonarista apresenta evidentes contornos fascistas. Seu objetivo maior é aniquilar direitos sociais, conquistas populares e organizações dos trabalhadores para que, por meio de um regime policial-militar seja possível garantir um padrão de acumulação capitalista com taxas maiores de exploração. No meio dessa barbárie está o futuro governo Lula e milhões de trabalhadores e trabalhadoras que precisão romper com o ciclo da fome, da miséria, do desemprego, dos baixos salários, da precarização, da falta de moradia, da carestia, da pouca da saúde pública e da educação destruída.

Para dias melhores, o primeiro passo deve ser romper com os bloqueios físicos e políticos do bolsonarismo, isolar seus apoiadores, fortalecendo as organizações de classe e construído um projeto alternativo à barbárie fascista capitalista que apresente reformas estruturais com o apoio do movimento operário-popular.

[1] Professor da Universidade Estadual do Ceará – UECE e coordenador do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário – IMO.

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