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15 de Março: data marcante da luta popular em Teresina


Thales Emmanuel, membro da coordenação da OPA

A OPA nasceu organizativamente como OPA em Teresina-PI há aproximadamente 4 anos. Falo de “OPA como OPA” porque, para nós, toda resistência popular é uma OPA em embrião, precisando se religar para amadurecer enquanto perspectiva de Poder Popular. Ou seja, a OPA surge enquanto OPA do encontro, da união das resistências, que já existem desde que a primeira cerca foi arbitrariamente instalada neste mundo.

Vamos ao contexto do 15 de Março. A forma política como a pandemia do coronavírus foi tratada no Brasil acelerou e ampliou a necessidade e a luta por moradia em todo o país. Em virtude dessa situação, o Supremo Tribunal Federal havia prorrogado até o dia 31 de março uma medida legal impedindo despejos. O prazo estava se vencendo.

Avaliando a conjuntura, a coordenação local da Organização Popular se reuniu em meados de janeiro na capital do Piauí para definir encaminhamentos. O consenso foi de não esperar para ver, e fazer acontecer. Muitos de nós não tínhamos tanta ou nenhuma experiência com esse tipo de circunstância, mas a vontade maior era de aprender. É a fé a verdadeira propulsora da caminhada. Então, iniciamos uma série de assembleias em algumas das comunidades ameaçadas. Ocupações Vila Campino, Manoel do Morro, Vila Boa Esperança, Núcleo Universitário, Lindalma Soares e a comunidade Boa Esperança. O resultado desse trabalho de base foi a decisão de ocupar a prefeitura para forçar uma audiência com o prefeito.

Teresina é governada por bolsonaristas declarados, do MDB e PSB, em aliança com partidos como o PT. Desde o início da gestão, o prefeito se recusa a sentar para negociar com organizações da classe trabalhadora em luta. E nunca o fez. O vice costuma chamar de “picaretas” as lideranças comunitárias. Sem contar que há muitos anos a prefeitura não é ocupada por movimentos populares. O comum são as manifestações chegarem no máximo à escadaria, na parte externa do edifício. Nós decidimos entrar. Sabíamos ser preciso uma pressão popular além do normal para reverter o difícil cenário político e assegurar os direitos das comunidades.

Na semana que antecedeu o dia 15, nos deparamos com os educadores e educadoras municipais em greve. Há militantes da OPA atuantes também na chamada luta sindical. Participamos das assembleias e refletimos sobre a importância de unificarmos as forças. Obtivemos uma boa adesão da categoria, mas não conseguimos encaminhar nada de concreto.

Começaram também a aparecer muitos vídeos na internet em apoio à nossa luta. Padres, comunidades de outros estados, sindicatos, advogados, pescadores, movimentos populares etc. Entregamos um ofício à prefeitura solicitando audiência. Nenhum retorno nos foi dado. Uma comissão de mulheres das comunidades endereçou uma carta ao arcebispo de Teresina pedindo apoio da Igreja, que terminava com as seguintes palavras: “Que, na semana do Dia Internacional das Mulheres, possa ecoar em todos os lugares deste planeta e, em especial, em nossa cidade, a prece feita por Maria ao Deus da libertação, de elevar os humildes, ainda que, para isso, seja preciso derrubar os poderosos de seu trono.”

Conversamos também com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e iniciamos o dia 15 protestando, junto com a companheirada Atingida, contra o preço da energia, em frente à Equatorial, empresa de distribuição. Depois seguimos para a prefeitura. Puxava a marcha uma grande faixa com os dizeres: “Teresina contra os despejos! Moradia é um direito! Fora Bolsonaro!” Importante nunca desvincular a luta imediata com a luta geral da classe.

Chegando à prefeitura, subimos as escadas e tentamos entrar, mas policiais rapidamente bloquearam o acesso, nos empurrando. Um deles tentou sacar uma arma, mas foi impedido por manifestantes. A pressão fez com que ligeirinho fôssemos recebidos por um dos secretários do prefeito. Mas nós queríamos negociar diretamente com doutor Pessoa. Como de costume, o secretário só ofereceu enrolação. Nos levantamos e falamos que, se em meia hora o prefeito não sinalizasse marcando a audiência, nós ocuparíamos o prédio, que por sinal foi erguido e é mantido pelo suor do mesmo povo impedido de entrar.

A tensão aumentava. A tropa de choque se reforçou, concentrando-se dentro e à frente da porta de entrada. Nós cantávamos, ao mesmo tempo que esperávamos uma resposta positiva daquele que foi eleito para representar os interesses do povo. “Faltam 25 minutos”, alguém falou ao microfone. Mais cânticos. “20 minutos!” Tambores e vozes. “15 minutos!” Neste momento, uma grata surpresa: dobra a esquina uma linda passeata dos professores. “Unificamos!” Éramos agora mais de mil trabalhadores e trabalhadoras em frente à prefeitura de Teresina: Sem Tetos, Sem Terra, Atingidos, Educadores, cantando e fazendo contagem regressiva do tempo. Quando faltavam 5 minutos, pedimos ao coronel que evitasse um banho de sangue e tentasse convencer o prefeito a nos receber. Ele entrou e, após alguns minutos, retornou com uma nova recusa, mas, agora, sem avisar, com a tropa de choque lançando bombas de gás, de efeito moral, atirando balas de borracha contra os manifestantes. Uma das bombas explodiu no corpo de uma jovem grávida, que caiu ferida. Na correria, crianças se perderam de seus pais, idosos tossiam com dificuldade de respirar por conta do gás. Mas resistimos.

O povo resistiu bravamente. Apesar de tudo, o moral estava lá em cima. Entre bombas que explodiam, um jovem militante do MAB passa por mim e grita: “Nossa luta está linda! Linda! É assim que tem que ser!” Certamente ele não se referia como bela a feiura das bombas nem das balas, mas à seriedade dos propósitos e da prática experimentada, da participação coletiva de todo processo de construção. Transeuntes, que não estavam na manifestação, proferiam, indignados, palavrões contra o prefeito e seu vice. Operários da construção civil, empregados de obra na própria prefeitura, externavam seu apoio à nossa luta. Jovens se defendem das balas arremessando pedras. Pedra contra canhão. Depois de horas, nos reunimos na praça e avaliamos a situação. Resolvemos retornar às nossas comunidades, para voltarmos ainda mais fortes a lutar por nossos direitos.

A pressão e repercussão foram tamanhas que, dias depois, o prefeito teve que nos receber. Da audiência de negociação, algumas conquistas e duas certezas fundamentais: a luta não terminou e unidos somos fortes.

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