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Notas sobre a atual onda golpista



Humberto Rodrigues

Os processos de Golpe de Estado que vêm ocorrendo nos países oprimidos a partir da segunda década do século XXI possuem traços comuns. Os golpes representam a reconquista de seus governos para o controle imperialista.

Na maior parte dos casos, a relação de controle do imperialismo sobre os países semicoloniais é exercido por meio da política vassala dos governos dos países oprimidos e não da ocupação militar direta, como se caracterizava o colonialismo. A política de ocupação militar quase nunca foi bem sucedida nas últimas décadas. Por mais que rendam lucratividade, a princípio, pela transferencia de recursos do Estado imperialista para os monopólios armamentistas e empresas de mercenários do próprio imperialismo, mecanismo de acumulação de capitais pelo incremento da dívida pública do estado imperialista justificado pela intervenção militar, a longo prazo, essa política se esgota, como vimos no Iraque e no Afeganistão, mais recentemente, para não falar da derrota histórica do Vietnã. 

A ocupação militar do território é um meio menos eficaz para a forma de exploração imperialista, possui custos políticos muito altos e por esses mesmos motivos, os operadores do imperialismo preferem golpes de Estado de forma parlamentar do que as quarteladas militares que eram a forma hegemônica de golpes nas décadas de 1960 e 1970 na América Latina.

Então, a política mais eficaz ao modo de acumulação imperialista é o do controle político dos governos por qualquer meio. Em termos gerais, a política economica definida pelo imperialismo e seguida por esses governos é o que permite a drenagem de riquezas dos países imperializados em favor do capital financeiro. O aprimoramento desse modo de acumulação de capitais foi turbinado nos últimos 50 anos. 

A economia ocidental foi desindustrializada e a China (que a princípio foi uma fiel aliada desde os acordos Nixon-Mao) foi industrializada. Esse foi o sistema de financeirização econômica, mais rentável para o capital imperialista. Outras economias asiáticas também sofreram um novo pique produtivo, mas possuem peso menor no mercado mundial que a China porque suas economias não se apoiam nem em uma força de trabalho tão grande nem possuem o rendimento alcançado pela planificação assegurada pelo Estado, como na China. 

As economias nacionais, de todos os países, incluindo os imperialistas, passaram a depender da China no mercado mundial, exportando matérias primas e importando manufaturas. Empoderada por esse processo, a China aliou-se a Rússia e passou a reivindicar maior soberania do que a maioria dos países semicoloniais em relação ao imperialismo e ao capital financeiro. A aliança vem impulsionando um bloco heterogêneo de nações que têm em comum a resistência a exploração imperialista (Venezuela, Irã, Nicarágua, Síria, Cuba, Bielorrúsia, Coreia do Norte). 

A decadência economica da era financeirizante do imperialismo teve um salto de qualidade a partir da crise de 2008 nos EUA. Isso empurrou cada vez mais as economias nacionais (burguesas ou de Estados operários como Cuba e Coreia do Norte) a buscar trocas mercantis menos tóxicas. Mesmo países imperialistas de segunda ordem, potências regionais e aliados históricos do imperialismo, como Itália, Turquia, Arábia Saudita e Índia se aproximam comercialmente da economia produtiva e mercantilista chinesa e sua teia comercial batizada de Nova Rota da Seda (Iniciativa do Cinturão e da Rota, BRI, na sigla em inglês), que nasce em 2013 com investimentos de capitais correspondentes a 13 vezes os do Plano Marshall*.




Então, se não consegue com que seus candidatos vençam as eleições burguesas e estabeleçam governos títeres por dentro das vias políticas tradicionais, o imperialismo encontra formas políticas e jurídicas de impor seus representantes políticos recorrendo a processos de guerras jurídicas, são os chamados lawfare, que aliados a campanhas midiáticas e golpes de Estado parlamentar, tudo isso secundado pela força do aparato repressivo policial e militar, e encabeçado por políticos de extrema direita ou direita. 

A primeira onda de golpes de Estado por processos de guerra híbrida ou "revoluções coloridas" do século XXI empurrou o eleitorado à esquerda e, a partir de 2019, o imperialismo não conseguiu eleger um só de seus candidatos em todas as eleições consecutivas na América Latina, Argentina, Bolívia, Chile, Nicarágua, Honduras, Peru, Colômbia, Brasil.



"Não podendo com eles, tentaremos cooptá-los", deve ser o lema atual da Casa Branca. Apresentando a política de flertar com o imperialismo e com o bloco Chinês como sendo uma grande esperteza geopolítica, de fato, a predisposição dos novos governos de esquerda para serem cooptados pelo imperialismo é impressionante, parecem não ter aprendido nada ou quase nada com o desastre que foram os governos neoliberais de esquerda que os isolaram de seus eleitores e pavimentaram o caminho da reação de direita e golpista.


A dupla natureza do golpismo e como oportunistas e sectários favorecem os processos contra a classe trabalhadora

A primeira natureza do processo golpista, a mais evidente, é a do imperialismo tentar tomar o governo por meios que anulem os resultados das próprias eleições burguesas, por meio da "luta contra a corrupção", da guerra híbrida, da campanha de demonização midiática dos governantes de esquerda. 

Os partidos tradicionais, governantes e hegemônicos da esquerda só veem esse caráter do golpismo, em que eles são vitimas do processo por manobras traiçoeiras da direita pró-imperialista. É verdade que os agentes nacionais do imperialismo e a direita são conspiradores desonestos, maquiavélicos, capazes de todos os crimes para burlar a derrota eleitoral, comportam-se como sujeitos ativos do golpe.

Todavia, incrivelmente, apesar de possui o governo e gozar da confiança da maioria nacional da população trabalhadora, os partidos de esquerda agem como se fossem sempre surpreendidos pelo golpe de Estado e seus dirigentes são perseguidos e levados a cadeia. Muito pior acontece com a própria população trabalhadora que se passa a ser superexplorada, perde direitos trabalhistas, sindicais, sociais, democráticos e previdenciários;

A segunda natureza, o que permite o ascenso e maturação do processo golpista reside justamente nas ilusões burguesas, democrático e liberais da esquerda, as ilusões de que uma política economica neoliberal com maquiagem social cosmética da exploração capitalista ou identitária possa atender os apetites de um modo de vida digno para a maioria da população explorada e ao mesmo tempo os apetites parasitários do capital financeiro e dos monopólios imperialistas. 

Os governos de esquerda são conservadores do status quo de exploração de seus países e povos, buscam preservar a ordem burguesa, a independência dos poderes, as relações republicanas. Acreditam em toda essa mitologia liberal que empresários e banqueiros jogam pela janela na primeira oportunidade que veem os esquerdistas fragilizados perante suas bases e recorrem aos seus agentes fascistas para tomar o poder e acentuar a exploração de classe.

E essa oportunidade para a direita golpista aparece quando os governos como Boric, Fernandez, Castillo, Evo, Dilma frustram as expectativas de seus eleitores para adotarem o pragmatismo neoliberal sob a pressão da oposição de direita. Os governos dessa esquerda conservadora da ordem burguesa renunciam à reestatização e revisão das medidas neoliberais anteriores, renunciam a uma política de industrialização soberana, alinham-se diretamente a diplomacia da OTAN, como Boric, ou centriam como Fernandez, em meio a nova guerra fria e estabelecem novos acordos neocoloniais com o FMI. Essas politicas são o que permitem um terreno fértil para uma nova onda golpista pró-imperialista do Chile ao México, passando pela Argentina e pelo Peru.

Então, desgraçadamente, a esquerda esteja no governo ela pavimenta o caminho do processo golpista quando frustra as expectativas de atendimento das demandas populares, operárias e sindicais de seus eleitores, buscando atender em primeiro lugar aos apetites do capital financeiro.

A segunda natureza do processo golpista está na colaboração dos governantes de esquerda com seus algozes e nisso tornam-se cúmplices do processo golpista, tornando-o de possível a inevitável. Frações minoritárias da esquerda, críticas ao colaboracionismo, acabam por descambar para um sectarismo e só conseguem ver essa segunda natureza do processo e por isso têm aos oportunistas como inimigo principal.

Os comunistas sabem que no sistema imperial, o imperialismo é o inimigo principal contra o qual precisam lutar dentro de seus países através da luta contra o fascismo, em uma frente única de ação até "com o diabo e sua avó", nas ruas e nas eleições, sabem que precisam lutar contra o golpe, desmascarar os processos de demonização midiática, de lawfare, de golpe parlamentar e defender as conquistas da classe trabalhadora, se opondo a derrubada dos governos de esquerda. 

Todavia, criticam duramente e combatem dentro dos fóruns dos movimento social, operário e sindical as políticas colaboracionistas dos partidos majoritários do movimento operário ou da esquerda que pavimentam o caminho da reação. Se os colaboracoinistas preparam o caminho da reação golpistas com suas políticas de traição de seus eleitores, os sectários apoiam a reação quando ela se levanta em forma de guerra híbrida, anticorrupção, com apoio de massas e "anti-sistémica" contra os colaboracionistas.

A luta dos trabalhadores venezuelanos e bolivianos para derrotar o processo golpista deve inspirar aos seus irmãos latino-americanos. O governo chavista, na Venezuela, reverteu o golpe de Estado de 2002 com massivas manifestações populares e desarmou um golpe parlamentar em 2017, armando a população, dissolvendo o Congresso pró-imperialista e convocando uma assembleia constituinte popular, prerrogativa que obteve graças aos fato de estar no poder. As organizações indígenas, populares e sindicais, como a COB, derrotaram o golpe patrocinado por Ellon Musk, interessado no lítio boliviano, pela CIA e realizado pela oligarquia fascista e fundamentalista boliviana, com massivas manifestações de rua por todo o ano de 2020, o que permitiu a volta do MAS ao governo pela via eleitoral. 

Nas duas experiências, vale o ditado de que o que não avança retrocede. Reverter golpes de estado em favor do povo, exige como continuidade da luta, seguir armando o povo, atendendo suas demandas vitais e desarmando e expropriando a direita burguesa, política antigolpista que não temos informes se os governos de esquerda dos dois países veem desenvolvendo. Todavia, são experiências que inspiram a luta antiiperialista, antifascista e antigolpista por seus acertos e erros.

Oportunistas e sectários favorecem, cada um a sua maneira, a política golpista do imperialismo e do grande capital. Os comunistas precisam encontrar em cada situação concreta o caminho da construção de condições mais favoráveis para a luta revolucionária pela conquista de um governo próprio dos trabalhadores.

* Marshall: foi um plano dos Estados Unidos para a reconstrução dos países aliados da Europa nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, baseado na concessão de empréstimos a juros baixos para países europeus desde que aceitassem as imposições econômicas dos Estados Unidos, como a compra de produtos fabricados pelos norte-americanos e a adesão à sua zona de influência.


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