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15 de abril de 1839: nascia o "Dragão do Mar", líder da "greve de massas" vitoriosa da revolução abolicionista



Humberto Rodrigues

O "Dragão do Mar" foi um líder abolicionista, que trabalhava como jangadeiro e prático-mor. "Dragão do Mar" ou "Chico da Matilde" foram os nomes populares que recebeu Francisco José do Nascimento. Em 1884, Nascimento liderou uma "greve" dos jangadeiros no porto de Fortaleza, recusando-se a transportar negros escravizados para serem vendidos no Rio de Janeiro e outras províncias brasileiras. 

O movimento possuiu quatro grandes paralisações entre 1881 e 1884, em um crescente que chegou a mobilizar a seu favor cinco mil pessoas, o que na época correspondiam a 25% da população de Fortaleza, e fechou o Porto da capital cearense por três dias. A luta dos jangadeiros cearenses tornou-se vanguarda de um movimento bem mais amplo que resultou na única revolução social vitoriosa realizada no Brasil, a revolução abolicionista, a que modificou o modo de produção - do escravismo colonial para o capitalismo atrasado e agrarista.

Francisco José do Nascimento nasceu em 15 de abril de 1839, em Canoa Quebrada, no Ceará. Ele era conhecido como "Chico da Matilde", em homenagem a sua mãe, Matilde da Conceição. Seu pai morreu quando ele tinha oito anos. Incapaz de criar o filho, Matilde mandou Nascimento trabalhar para o comandante português José Raimundo de Carvalho.

Nascimento aprendeu a ler e escrever e trabalhou em um veleiro até os 20 anos. Nascimento casou-se com Joaquina Francisca e trabalhou no porto de Fortaleza como prático, conduzindo navios para o porto.

Nesse momento, o Brasil transitava do tráfico externo para o interno. Segundo, Laurentino Gomes, em sua obra 1889, onde destaca que a abolição "deu o empurrão que faltava para a queda da monarquia e proclamação da República". O autor registra assim o que chamou de maior migração forçada de pessoas de toda história brasileira.

Em 1850, o Parlamento brasileiro aprovou a chamada Lei de Queiroz, proibindo o tráfico. O fim do tráfico vindo da África criou uma nova forma de comércio de escravos no Brasil. Donos de Engenhos de açúcar em decadência no Nordeste passaram a vender os seus cativos para os barões do café do Vale do Paraíba e de Minas Gerais. O resultado foi a maior migração forçada de pessoas em toda a história brasileira. (GOMES, 2014, p.149)

Essa migração forçada massiva de pessoas do Ceará vai ter características próprias. O curto ciclo do algodão em meados do século XIX seguido pela seca, entre 1877 e 1878, fizeram com que a exploração do trabalhador escravizado perdesse força no Ceará. A província tivera seu período de maior desenvolvimento econômico durante a guerra civil dos EUA, em meados dos anos 60 do século XIX, quando a guerra prejudicou a produção algodoeira dos estados do sul dos EUA que forneciam para as fábricas têxteis inglesas. Foi então que os oligarcas donos dos escravos começaram a vender seus escravos para os estados do sudeste e sul do Brasil.

Nesse período, o movimento abolicionista tornou-se mais forte, liderado por intelectuais. A crise dos oligarcas escravistas favoreceu os trabalhadores escravizados e a luta abolicionista.
Nunca tinha havido nada como o movimento abolicionista na história do Brasil. Foi a primeira campanha de dimensões nacionais, envolvendo toda as regiões e classes sociais. Nem mesmo a guerra do Paraguai mobilizou tantos brasileiros e tão intensamente por uma causa comum. Multidões compareciam aos comícios e manifestações públicas. As páginas dos jornais e os debates no Parlamento foram dominados pelo tema. (GOMES, 2014, p.143).
Esse movimento ganhou força inicialmente em uma Vila do interior cearense. Como registra o Brasil de Fato Ceará, alguns historiadores consideram que o início da abolição ocorreu em 1º de janeiro de 1883, a Vila do Acarape, atual município de Redenção, cidade que fica aproximadamente 55 km de Fortaleza, em um ato realizado em frente à igreja Matriz, marcado pela entrega das cartas de alforria para 116 escravos daquela região. O ato foi organizado por abolicionistas, entre eles, José do Patrocínio que também era jornalista e escritor, além de participar ativamente dos movimentos para libertação dos escravos.

Nascimento, angustiado pelo papel que exercia na cadeia do tráfico escravista, aliou-se aos abolicionistas. Apesar de pescadores, os jangadeiros ganhavam uma renda extra fornecendo transporte em suas jangadas para embarcações oceânicas. Outro líder do movimento junto com Nascimento foi José Luis Napoleão, um escravizado liberto que tornou-se líder jangadeiro e abolicionista.
Ao lado de Pedro Arthur de Vasconcellos, um jangadeiro que trabalhava no porto de Fortaleza, Napoleão pensou em uma estratégia para acabar com o tráfico de escravizados no país. Eles montaram quatro frentes de ação, sendo que Napoleão liderou as três primeiras, e Francisco José do Nascimento liderou a última. Além da pesca, os jangadeiros do porto eram os responsáveis por levar a mercadoria da praia para o navio. Por isso a ação deles foi fundamental para o fim da escravidão. A primeira ação ocorreu em 27 de janeiro de 1881, com a participação de mil pessoas. “A ação foi organizada em uma época em que não havia conceito de greve. Eles cruzaram os braços e decidiram que não iam continuar com essa situação”, conta Licínio Miranda, historiador, mestre em Estudos Latino-americanos pela Universidade da Flórida e doutorando em História na mesma instituição. A quarta greve, que ocorreu em 31 de agosto de 1884, foi a maior das greves. No entanto, depois das três primeiras, Napoleão não podia mais continuar como líder, porque já era uma pessoa de idade. Ele sugeriu então que Francisco José do Nascimento tomasse a frente do movimento. Trabalhando como Prático, ele era responsável pelo atracamento dos navios de todos os portos do Ceará. Na última manifestação, 5 mil pessoas foram às ruas. Na época, a população aproximada de Fortaleza era de 25 mil pessoas, portanto, cerca de um quarto da população lutou em prol desta causa... Essa foi a primeira vitória popular contra a escravidão bem-sucedida no Brasil. Pouco depois, a ação passou a apresentar sinais em todo o país, pois escravizados de outros lugares passaram a fugir para conseguir a sua liberdade no Ceará... Além disso, o valor dos escravizados caiu e os jangadeiros passaram a convencer a população a comprar a liberdade deles... Com o fim da escravidão na província, mais de 30 mil pessoas ganharam a liberdade e Dragão do Mar se tornou conhecido em todo o país." (Dragão do Mar: o jangadeiro que acelerou o fim da escravidão no Ceará, Isabela Alves)
Muitos autores, como Laurentino Gomes, afirmam que algumas regiões, como o Ceará, foram mais favoráveis a abolir a escravidão porque "o trabalho cativo deixara de ser importante para a economia" (GOMES, 2014, p.149). Isso é verdade, mas ainda com importância reduzida dentro da economia regional, a abolição significou a liberdade para dezenas de milhares de pessoas. Como vimos no relato acima, quando foi realizada, a abolição libertou 30 mil cativos e o movimento de Nascimento e seus camaradas evitou que esses milhares continuassem sendo cativos em regiões em que o trabalho cativo era importante para a economia.

De poucos abolicionistas a mil manifestantes na primeira ação em 1881. Em quatro anos já eram cinco mil manifestantes, uma força crescente que desafiou a ordem pública. Segundo, Laurentino Gomes, na última manifestação abolicionista de 1884 em Fortaleza,
Durante três dias, Nascimento e os colegas se recusaram a transportar para os navios um grupo de escravos vendidos para fazendeiros do sul do país. Em represália, o jangadeiro foi demitido do cargo de prático da barra que ocupava na Companhia dos Portos do Ceará. A punição, no entanto, o promoveu de imediato à condição de herói do movimento abolicionista brasileiro. (GOMES, 2014, idem)
O movimento, dirigido pelo protagonismo exemplar dos trabalhadores escravizados, em uma frente policlassista de escravos e libertos, analfabetos e intelectuais, acelerou a revolução abolicionista. O Ceará foi a primeira província do Brasil a abolir a escravidão, seguido pelo Amazonas. Pressionado pelo movimento de massas, depois da quarta grande paralização de jangadeiros, amplamente apoiada pela população de Fortaleza, Sátiro de Oliveira Dias, presidente da província, declarou a libertação de todos os escravizados do Ceará no dia 25 de março de 1884, quatro anos antes da Lei Áurea.

"Essa foi a primeira vitória popular contra a escravidão bem-sucedida no Brasil", como bem registra Isabela Alves, que inspirou "o primeiro movimento nacional revolucionário de massas e que desembocou na única revolução popular até agora vitoriosa na história do país", como nota Mário Maestri, ainda que seus líderes não tenham assumido o poder político por falta de maturidade e organização política do movimento dos trabalhadores.

Nascimento foi celebrado e convidado a visitar o Rio de Janeiro. Lá ele foi recebido como um herói pelos abolicionistas locais; o escritor Aluísio de Azevedo foi o primeiro a chamá-lo de "Dragão do Mar".

Nascimento morreu aos 75 anos, em 1914, em Fortaleza. A luta do Dragão do Mar e seus camaradas abolicionistas inspira não apenas a luta dos trabalhadores contemporâneos contra o trabalho escravo hoje, realizadas de forma doméstica ou em grandes empresas multinacionais como a BASF, mas também contra a escravidão assalariada em geral que nas últimas décadas tensiona de forma crescente pela precarização do trabalho.


Para saber +



1888: A Revolução Abolicionista no Brasil (texto e vídeo)


Haiti: Revolução Permanente, Anticolonial, Independentista e Abolicionista


Benedito Meia Légua, revolucionário abolicionista


Contra o trabalho escravo: expropriar e estatizar as empresas da burguesia escravocrata

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