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O Acordo do RCEP e a Bomba Armada na Economia Ocidental

Fábio Sobral *





O acordo do RCEP (Regional Comprehensive Economic Partnership), que começou a funcionar em primeiro de janeiro de 2022, criou no Oriente a maior área de livre comércio mundial. Haverá alterações profundas na configuração dos setores produtivos, comerciais, financeiros e militares.

O acordo do RCEP não foi feito para a China aproveitar sua imensa capacidade industrial e esmagar a indústria dos outros países. A Índia acusou a China de ter esse objetivo e recusou-se a participar. À primeira vista parece uma conclusão acertada, mas o que está nos fundamentos desse acordo?
A crise de 2008 tornou explícita a possibilidade de um colapso de gigantescas proporções no sistema econômico dirigido pelos centros financeiros de Wall Street e Londres. Um colapso que envolveria não só os bancos, mas crédito, seguros, indústrias, commodities, mercados consumidores, empregos, estados nacionais e o dólar. Um evento de proporções cataclísmicas. Não temos condições de avaliar o que se seguiria, ou o que emergiria daí.

A crise de 2008 foi resolvida, mas não solucionada. Todas as variáveis que a produziram estão ativas, como uma bomba que pode explodir a qualquer momento.

E o que tem impedido que essa bomba exploda? Imenso financiamento de bancos e bolsas de valores por meio do endividamento dos Estados. Estes lançaram e continuam a lançar somas colossais de dinheiro nos mercados de ações e de títulos de dívida pública.

Funciona dessa forma: os bancos centrais baixam os juros. As empresas pegam empréstimos. Compram suas próprias ações nas bolsas de valores. O preço das ações sobe com o aumento da demanda. Então, as empresas vendem as ações compradas e obtêm lucro financeiro. Com esse lucro pagam os empréstimos e contraem novos para reiniciar o ciclo.

Não é lucro comercial ou produtivo, mas essencialmente lucro financeiro. Lucro inteiramente dependente da manutenção dos juros em níveis extremamente baixos. Qualquer elevação dessas taxas e veríamos o colapso. Não seria possível pagar os empréstimos contraídos pelas empresas, as ações negociadas nas bolsas despencariam, as dívidas se tornariam impagáveis e as falências explodiriam.

Daí decorreria o colapso econômico, político e social generalizado. É preciso manter os juros baixos. Mas surge outro problema: a inflação. O dinheiro lançado pelos governos não para nos mercados de ações. Ele escorre para a compra de terras produtivas, fontes de água doce, sementes, grãos, minerais, carne. Os preços destes sobem. Surge um processo especulativo que é lucrativo para o capital, mas que provoca perda de poder de compra e, em muitos países, a fome.


Tal especulação também tem limites determinados pela capacidade de Estados darem dinheiro barato aos bancos e bolsas de valores através de empréstimos com juros baixos. Ou seja, o mecanismo especulativo está a pleno vapor. A crise de 2008 foi pequena diante do que se avizinha.

A China percebeu isso e precisa escapar da explosão. Seus dirigentes elaboraram um plano, o RCEP e sua área de livre comércio.

O plano pressupõe não mais depender do consumo americano ou europeu. Para isso a China está elevando a renda interna das classes trabalhadoras. As camadas médias atingirão a marca de um bilhão de pessoas em 2035, o maior mercado consumidor do mundo, transformando a China de base exportadora de bens manufaturados para um centro consumidor.

A China irá cada vez mais centrar suas exportações em bens de alta tecnologia e em capitais para investimento em outros países. O Irã receberá enorme soma de capitais para a industrialização. Vários países africanos também. Os países da Ásia Central já estão em processo de investimento chinês.

Países inimigos da China como Japão, Coreia do Sul e Austrália estão no acordo. Tais economias com forte base industrial enxergaram as possibilidades de escoarem suas produções para esse imenso mercado.

A China será a grande importadora, o centro dinâmico do consumo e do crédito. Obviamente, a moeda chinesa irá desempenhar um novo papel. Podemos antever uma queda da importância do dólar. Além disso, as bolsas de valores chinesas serão os centros financeiros dessa nova configuração do mercado mundial.

O plano chinês do RCEP trabalha assim a partir das quatro esferas em que a economia se divide: produção, circulação (comércio), distribuição e consumo.

Eis os motivos do chamado “pivô para a Ásia”, uma estratégia de confronto americano com a China. A assinatura do tratado criando uma nova aliança militar (AUKUS – Austrália, United Kingdom e United States) também é parte dessa confrontação.

O sistema financeiro, produtivo, comercial, militar e político Nova Iorque-Londres suportará tal mudança e a perda de poder correspondente? Ou conduzirá a economia para a explosão de sua bomba interna armada desde a crise de 2008? Suas camadas dirigentes saberão se adaptar e ocupar funções menores? Elas sobreviverão a isso? Ou tentarão usar “armas do fim do mundo” semelhantes às descritas nas obras clássicas da literatura hindu Ramayana, Bhagavad Gita e Mahabharata, as armas destruidoras de mundos?

Estamos ameaçados por bombas financeiras ou nucleares.

* Fábio Sobral é professor de Economia Ecológica (UFC)

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